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Presidente executivo da ANA rejeita minimizar incidentes e vê segurança como prioridade


 

O presidente executivo da ANA Aeroportos, Thierry Ligonnière, rejeitou hoje “minimizar qualquer incidente na aviação”, após falhas no controlo de tráfego aéreo nos aeroportos do Porto e de Ponta Delgada, garantindo ver a segurança como “uma prioridade”.

“Temos de reafirmar, de forma muito forte, que não se pode minimizar qualquer incidente na aviação”, disse Thierry Ligonnière.

Falando numa audição na comissão parlamentar de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, em Lisboa, o responsável sublinhou que “a questão da segurança é um compromisso absoluto e a primeira prioridade” para a ANA, após os incidentes ocorridos no Aeroporto Francisco Sá Carneiro em abril de 2021 e no Aeroporto João Paulo II em maio de 2022, respetivamente no Porto e em Ponta Delgada.

“Tem de ser analisada a fonte [destes incidentes] e tem de ser avaliado como se pode melhorar o sistema”, apontou Thierry Ligonnière, aludindo às investigações em curso.

E insistiu: “Não minimizamos a gravidade, é muito grave”.

Thierry Ligonnière admitiu ainda que estas ocorrências, que “afetam a segurança”, poderiam “ter tido um desfecho mais dramático”.

“Levamos mesmo a sério, para ser analisado e para que isto não volte a acontecer”, concluiu, perante os deputados.

Em causa estão os requerimentos do PSD e Chega para audição da ANAC, da NAV Portugal, da ANA Aeroportos e do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF), sobre um relatório que apontou “falhas graves no controlo aéreo”.

Intervindo na sessão, o deputado Filipe Melo, do Chega, vincou que estes não se tratam de “meros acidentes”, sendo antes “muito graves” e “práticas inadmissíveis e revoltantes” por afetaram a “segurança dos passageiros” e a “imagem que Portugal, que depende do turismo, passa para o exterior”.

Pelo PS, Hugo Oliveira solicitou que “não se escondam incidentes futuros”, enquanto o social-democrata Paulo Moniz sugeriu a introdução de “elementos acrescidos de segurança”, como “inteligência artificial ou sistemas de apoio à decisão”.

De recordar:

O primeiro incidente aconteceu na noite de 27 de abril de 2021 no aeroporto do Porto, envolvendo um Boeing 737-400 de carga, operado pela ASL Airlines Belgium, e o outro ocorreu no aeroporto de Ponta Delgada em 13 de maio deste ano, com um A321neo da TAP, com a matrícula CS-TJI que transportava 180 passageiro e 6 membros da tripulação.

Ponta Delgada:

Na manhã do dia 13 de maio de 2022, no aeroporto de Ponta Delgada nos Açores, o Serviço de Controlo de Tráfego Aéreo (ATS) era assegurado por apenas um controlador (CTA) em posição unificada (APP e TWR). Após ter realizado o processo de rendição de um colega, pelas 09:02, o CTA autorizou a descolagem de uma aeronave da pista 12 em uso, dedicando-se de seguida a outras tarefas como a atualização do ATIS e análise de reservas de espaço aéreo.

Pelas 09:30, com duas aeronaves em aproximação, um Dash 8-200 para a pista 12 e um A321 para a pista 30, uma equipa de manutenção e respetiva viatura foi autorizada pelo ATS para entrar e permanecer na pista por forma a efetuar trabalhos de manutenção programados no sistema de ILS (UHF “Glide Path” GP) da pista 30, equipamento este de radio-ajuda que foi dado como fora de serviço por NOTAM: ILS GP FREQ 332.600 MHZ RWY 30 U/S DUE TO MAINT.

Durante a aproximação, a tripulação do A321 solicitou o procedimento ILS para a pista 30, o que foi negado pelo ATS devido ao ILS estar inoperativo. Em sequência, a tripulação solicitou o LOC R30 que foi também negado pelo mesmo motivo, levando a tripulação a replicar que o NOTAM apenas mencionava GS inoperativo. Mais tarde, a aproximação de Ponta Delgada autorizou o A321 a prosseguir para o NAVPO e ILS R30.

Às 09h57, já em condições visuais e abaixo de 4000 pés, o A321 foi autorizado a aterrar na pista 30, recebendo do ATS instruções adicionais de, em caso de borrego, subir em frente até aos 2.000 pés, ou abaixo, devido a outro tráfego em aproximação à pista 12.

Às 10h00, durante o flare, o piloto em monitorização observou uma carrinha branca sobre a linha lateral direita da pista 30, tendo sido de imediato iniciada uma manobra de borrego. O CTA, após se aperceber da manobra, deu instrução para o A321 voltar à esquerda, tendo a tripulação de seguida informado do veículo na pista.

A equipa de manutenção no veículo, após o sobrevoo da aeronave, abandonou de imediato a pista comunicando às operações do aeroporto e ao ATS toda a situação.

 

Porto:

Na noite do dia 27 de abril de 2021, às 20:48:06, um Boeing 737-400, matrícula OE-IAJ operado pela ASL Airlines Belgium, iniciou a corrida de descolagem na pista 35 do aeroporto do Porto. Pouco depois, o condutor de um veículo FollowMe (FM3), devidamente autorizado a realizar a inspeção de pista, apercebeu-se de uma luz brilhante no final da pista (17) e questionou a torre através do sistema de comunicação TETRA, sobre a presença de alguma aeronave a alinhar na pista.

Às 20:48:34, o controlador instruiu ao FM3 para sair da pista pois estava a descolar uma aeronave.

Estima-se que a separação entre o veículo e a aeronave tenha sido de cerca de 300 metros na horizontal, a partir do momento em que a aeronave descolou e 150 metros na vertical, quando sobrevoou o veículo.

Enquanto estes eventos se passavam, um segundo controlador havia entrado na sala de controlo para render o primeiro controlador, que terminava o seu turno após ter estado ininterruptamente em serviço e sozinho na torre de controlo durante cerca de quatro horas precedentes ao evento.

A aeronave prosseguiu o seu voo e aterrou em segurança em Liège. O FM3 foi reautorizado a entrar na pista e continuou a inspeção da mesma.

O controlador estava há cerca de quatro horas ininterruptamente em serviço sozinho na torre de controlo.

A investigação do GPIAAF aos dois incidentes “constatou que as barreiras implementadas pela organização para suprir falhas dos operadores neste tipo de situação, nomeadamente ao nível de procedimentos operacionais para a identificação de pista ocupada, eram pouco fiáveis, tendo em cada situação o acidente apenas sido evitado por acasos excecionais”.

Os investigadores identificaram, nomeadamente, “deficiências ao nível da gestão do pessoal e dos turnos de trabalho, que criaram condições organizacionais latentes contribuintes para os eventos”.

“Tais deficiências ficaram evidentes pelo inadequado cumprimento dos requisitos regulamentares e por lacunas na liderança e cultura de segurança operacional nos setores envolvidos da organização, nomeadamente quanto a monitorização interna e controlo de processos”, salienta este organismo.

O GPIAAF concluiu também que houve a “prática sistémica” de manipulação dos registos das presenças de controladores na torre dos dois aeroportos, assim como “arranjos de conveniência para os envolvidos”, incluindo “supervisores e chefe de torre” de controlo.

Este organismo público dá ainda conta da existência de uma “Cultura de Silo” – colaboradores trabalham isoladamente e não comunicam para um objetivo comum – na liderança das torres de controlo e respetivos órgãos.

O gabinete que investiga acidentes aéreos emitiu ainda dez recomendações de segurança: cinco à NAV, três à Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), regulador do setor, e duas à ANA Aeroportos de Portugal:

– Cinco recomendações de segurança à NAV Portugal, cobrindo os aspetos de implementação de sistemas de deteção de incursão de pista fiáveis e independentes da ação humana, revisão das políticas de efetiva supervisão dos controladores e respetivas prerrogativas dos operacionais, revisão de componentes do seu sistema de gestão de segurança (SMS) e implementação do conceito de sala de controlo estéril.

– Três recomendações de segurança à Autoridade Nacional de Aviação Civil, ANAC, com requisitos de cumprimento, pelos ANSPs, de procedimentos de pista ocupada recorrendo a ferramentas tecnológicas, a supervisão e seguimento do trabalho das equipas locais de segurança de pista (LRST) e, por fim, para que garanta a implementação plena e eficaz dos requisitos do Sistema de Gestão mandatórios pela Part-ATS do

– Duas recomendações de segurança à ANA Aeroportos de Portugal (Aeroporto do Porto) para instalação de equipamentos rádio (emissor/recetor) fiáveis e de fácil utilização nas viaturas Follow-Me, assim como a adoção de procedimentos padrão na inspeção de pista.

O GPIAAF sublinha que a Autoridade Nacional de Aviação Civil, no exercício das suas competências e responsabilidades, necessariamente que terá de dedicar uma especial atenção à monitorização e supervisão da organização de controlo de tráfego aéreo, relativamente às lacunas identificadas neste relatório.