A reestruturação da Cabo Verde Airlines prevê a saída de 207 dos cerca de 300 trabalhadores, conforme um acordo de financiamento de quase 8,5 milhões de euros entre o Governo e o Banco Mundial.
O acordo, celebrado em 03 de julho último entre Cabo Verde e a Associação Internacional para o Desenvolvimento (AID), do grupo Banco Mundial, ao qual a Lusa teve hoje acesso, prevê um “financiamento adicional” ao projeto de gestão do Setor Empresarial do Estado (SEE) cabo-verdiano, no valor de sete milhões de SDR (Direitos de Saque Especiais, equivalente a 8,43 milhões de euros).
“O objetivo do projeto é reforçar a gestão fiscal relacionada com o SEE”, refere o acordo, que prevê financiar quatro componentes, como a assistência técnica à Unidade de Acompanhamento do Setor Empresarial do Estado (UASE), a gestão de projetos e a reforma do setor da habitação.
Contudo, na sua primeira componente de apoio, o acordo refere o “financiamento baseado em resultados”, nomeadamente através de um “programa de despesas elegíveis para apoiar” Cabo Verde a desenvolver as capacidades da UASE e assim “melhorar o seu acompanhamento da carteira de SEE”, bem como o “apoio às reformas críticas nos TACV”, companhia aérea que este mês voltou a ser liderada pelo Estado, “para diminuir as suas necessidades de financiamento público futuro”.
O acordo prevê financiar o “reforço da gestão financeira” da companhia, “através da implementação de reformas estratégicas”, incluindo, entre outras, uma “reconfiguração dos recursos humanos e preparação da redução de cerca de 207 funcionários”, do “financiamento público reduzido para as operações dos TACV resultantes de outras reformas estratégicas” e pelo “pagamento de indemnizações a cerca de 207 funcionários” da companhia.
O Estado cabo-verdiano assumiu em 06 de julho a posição de 51% da TACV detida desde 2019 por investidores islandeses, alegando vários incumprimentos na gestão e dissolvendo de imediato os corpos sociais.
A reversão de privatização da Cabo Verde Airlines (CVA – nome comercial adotado desde 2019 para a TACV), feita por decreto-lei, foi justificada no mesmo documento com “sérias preocupações” face o “cumprimento dos princípios, termos, pressupostos e fins” definidos no processo de privatização.
Entre as preocupações do Governo constam o “cumprimento com os procedimentos acordados de pagamento de despesas, registo contabilístico e contratação”, a “salvaguarda dos interesses da empresa e objetivos da parceria em consequência de envolvimento em atos e contratos que revelam substâncias e sérios conflitos de interesse”, a “contribuição para o reforço da capacidade económico-financeira e da estrutura de capital” da companhia ou sobre a “concretização integral da venda direta em prazo, condições de pagamento e demais termos”.
Em março de 2019, o Estado de Cabo Verde vendeu 51% da então empresa pública TACV por 1,3 milhões de euros à Lofleidir Cabo Verde, empresa detida em 70% pela Loftleidir Icelandic EHF (grupo Icelandair, que ficou com 36% da CVA) e em 30% por empresários islandeses com experiência no setor da aviação (que assumiram os restantes 15% da quota de 51% privatizada).
A CVA, em que o Estado cabo-verdiano mantinha uma posição de 39% (restantes 10% vendidos a emigrantes cabo-verdianos e trabalhadores da companhia), concentrou então a atividade nos voos internacionais a partir do ‘hub’ do Sal, deixando os voos domésticos.
Até à nomeação dos novos titulares dos órgãos sociais, o mesmo decreto-lei estabelece que a companhia será representada e administrada por um gestor designado por despacho conjunto dos ministros das Finanças e do Turismo e dos Transportes.
Devido aos efeitos da pandemia de covid-19 – desde março de 2020 que a companhia não realiza voos comerciais com a maioria dos cerca de 300 trabalhadores em regime de ‘lay-off’ -, foi assinado um novo acordo entre o Estado e a Loftleidir em março de 2021, para viabilizar a empresa (envolvendo desde novembro a emissão de avales do Estado a cerca de 20 milhões de euros de empréstimos para pagamentos de salários e outras despesas urgentes), o qual previa também a cedência de ambas as partes em diferentes matérias.
“Nesse acordo, o Estado e a Loftleidir Cabo Verde deveriam providenciar financiamento aos TACV, tendo o Governo cumprido com a sua parte (…) No entanto, e posteriormente ao acordo de resolução, foram identificados factos na governança dos TACV e no relacionamento da Loftleidir Cabo Verde e partes interessadas com os TACV que podem contribuir para a insustentabilidade da continuidade do acordo, pois que existe um risco sério, real e significativo de a Loftleidir Cabo Verde não cumprir com a sua proposta de investimento de capital nos TACV”, acrescenta.
O texto refere ainda que “têm-se verificado várias e sérias questões relativas ao financiamento, operações e governança dos TACV, que ameaçam a sua sustentabilidade, põe em causa de forma grave o interesse público e impõe um acentuado agravamento do risco ao Estado”.
Essa situação, admite o Governo, faz “crescer em larga escala as suas responsabilidades como acionistas, como garante de pagamentos de avultadas dívidas e como autoridade que deve assegurar uma política de transportes aéreos internacionais que corresponda às necessidades do desenvolvimento económico de Cabo Verde e dos cabo-verdianos”.
A administração da CVA anunciou em 27 de junho a suspensão do plano de retoma de voos face à então intenção anunciada de renacionalização da companhia pelo Governo e pedido de arresto de um Boeing da companhia – fornecido em regime de ‘leasing’ pela Loftleidir Icelandic EHF – por parte do Estado, face a alegadas dívidas.